Quando a correlação é norteada por números imprecisos

No meu último post, eu comentei “A falta de estatísticas confiáveis sobre a microcefalia”. Falamos sobre a subnotificação de casos, a falta de padronização dos dados, a ausência de critérios para definição de registros, e a omissão de informações. Fatos que nos levam a duvidar da veracidade dos resultados diante de tantos percalços, quando o assunto é microcefalia e zika.

Os dados coletados podem não representar a realidade (ou representar apenas uma parcela), gerando resultados inconclusivos no caso zika versus microcefalia. Dessa forma, não conseguimos ter uma noção da real dimensão do problema. Além do mais, o mosquito Aedes aegypti, que transmite o vírus zika, também conduz a dengue e o chikungunya, e que possuem sintomas bem semelhantes.

Além desses fatos, o profissional da saúde pode registrar o que ele quiser, com base na sua interpretação. Ou até mesmo, pode ser induzido para um erro de registro, quando o paciente não relata de maneira adequada. Isso acontece porque o paciente não sabe identificar seus próprios sintomas. Outro motivo forte é a influência da mídia, que ao “exagerar” na notificação de informações de forma desorganizada, acaba influenciando o paciente que pode relatar que está com zika, mesmo quando estamos falando de uma pequena dor de cabeça ou uma febre leve.

De certa forma, temos mais números; mas com menos qualidade. E isso não é bom para efeitos de Análise de correlação. Na verdade, não é bom para nenhum tipo de análise estatística ou análise dados.

O que é correlação?

Explicando de uma maneira simplista, correlação entre duas variáveis é quando uma delas está de alguma forma relacionada com a outra. Ou seja, a mudança no resultado de uma variável provoca a mudança na outra. No nosso exemplo, o aumento de crianças nascidas com microcefalia teria relação com o aumento de casos de contágio com o vírus zika no país, que bateu recorde ano passado. Pela lógica, quanto mais casos de mulheres que foram infectadas com o vírus zika durante a gestação, mais chance de bebês nascerem com microcefalia. Quero deixar claro, que até o momento essa correlação não foi validada. O que temos são especulações e análises sem fundamentos.

As correlações estatísticas são comumente apresentadas pelos Diagramas de dispersão. Nesses diagramas, analisamos aspectos como, direção (crescente, decrescente); forma (linear, não-linear, aglomerados); e pontos discrepantes (outliers).

Dependendo do resultado do diagrama de dispersão, é possível identificar se há ou não uma correlação. Mas para não ser enganado por mudança de escalas e pontos discrepantes, o melhor a fazer é calcular o Coeficiente de Correlação Linear (r). Ele mede o grau de relacionamento, a intensidade e a direção entre duas variáveis. Com o resultado em “mãos”, e que pode variar de -1 a 1, podemos concluir se há correlação, qual a intensidade e a direção.

Para concluir um resultado tão importante assim, é preciso ter dados confiáveis; o que aparentemente não é caso, quando se trata de registros de casos do zika vírus.

Consequências da correlação com dados imprecisos

Mesmo sabendo de toda essa confusão com os dados, o governo anunciou de forma taxativa que o zika causa microcefalia. E com esse resultado, é natural que milhares de famílias estejam preocupadas com a possibilidade de seus filhos nascerem com a má-formação. Eu conheço casais de amigos, que decidiram adiar a gravidez por causa do surto, mesmo morando em Santa Catarina; teoricamente um dos Estados com a menor incidência de casos.

Dessa forma, teremos milhares de famílias que adiarão a maternidade por medo e precaução; e os Estados mais afetados, como Pernambuco, Paraíba e Bahia, sofrerão prejuízos de milhares de reais por conta do turismo. Afinal de contas, ninguém vai querer viajar para regiões endêmicas.

Monitoramento dos casos de microcefalia no Brasil – Semana de 14 a 20/02/2016

Conclusão

Estamos navegando em um mar de perguntas sem respostas, de conjecturas e cenários possíveis (ou seriam impossíveis). Às vezes me pergunto, se estamos realmente fazendo as perguntas certas; ou se estamos perguntando algo direcionando para respostas que o governo quer. “A Estatística, se bem empregada, pode trazer as respostas que muita gente não quer”.

Enquanto não definirem os critérios para coleta de dados, não conseguirão melhorar a qualidade da informação; e continuaremos vagando no campo de “achismos” e teoria das conspirações.

É importante ressaltar, que parte da comunidade científica ainda está cética sobre se o vírus é mesmo o vilão da história. A principal razão do ceticismo é a falta de estudos que comprovem a relação de causa e efeito entre zika e microcefalia. Segundo Arnold Monto, epidemiologista da Universidade do Michigan (EUA), “a mera presença do vírus não significa que ele tenha causado um problema de nascença, significa que há uma probabilidade”. Para uma médica especialista de Harvard, “só comparação com bebês saudáveis provará a ligação – se o estudo for feito corretamente”.

Segundo entrevista da Diretora da OMS, “estabelecer uma relação causal entre zika e microcefalia ainda levará algumas semanas”.

Então é preciso deixar claro que ainda não sabemos.

Lição: Não adianta você ser muito bom em análise estatística, conhecer muitos métodos, se os dados que você tem não possui qualidade. Quando os dados são ruins, a sua informação fica comprometida.


Fontes

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Associated Press. “Ministério da saúde muda forma de divulgar casos de microcefalia”. Portal G1, 17 de fevereiro de 2016: http://glo.bo/2fpQkfI

Barchfield, Jenny; Prengaman, Peter. “Some experts contend Brazil is exaggerating Zika crisis”. The Big Story – February 25, 2016: http://apne.ws/2eCW3A4

Bedinelli, Talita. “Bebês vítimas do zika têm lesões cerebrais além da microcefalia”. El País, 19 de diciembre de 2015: http://bit.ly/2f7zDqX 

Bedinelli, Talita. “São Paulo desrespeita regra federal e não reporta o nascimento de quase 200 bebês com microcefalia”. El País, 26 de enero de 2016: http://bit.ly/2fs8H66

Collucci, Cláudia. ” ‘Céticos da Zika’ cobram provas de que vírus é culpado por microcefalia”. Jornal Folha de São Paulo, caderno Cotidiano, 14 de fevereiro de 2016: http://bit.ly/2feEPHo

Formenti, Lígia. “Ministro admite ligação com zika em 40% dos casos de microcefalia”. Jornal O Estadão – caderno Saúde, 19 de fevereiro, 2016: http://bit.ly/2fRjd7C

Ottoni, Alexandre; Pazos, Deive; Iamarino, Átila (2016, 11, fevereiro). NerdCast 503 – Esse Zika é vírus! (podcast). Recuperado de http://bit.ly/2eD4NpR

Reinach, Fernando. “Microcefalia: dados sumiram”. Jornal O Estadão – caderno Saúde, 20 de fevereiro, 2016: http://bit.ly/2fvghcm

Reinach, Fernando. “Microcefalia: falta o denominador”. Jornal O Estadão – caderno Saúde, 13 de fevereiro, 2016: http://bit.ly/2edx0VE

UOL Notícias. “Governo diz que “não há dúvida” de relação entre microcefalia e zika”. Seção Ciência e Saúde, 15 de fevereiro de 2016: http://bit.ly/2fvhwsd

Amplie seu conhecimento

Callaway, Ewen. “Zika-microcephaly paper sparks data-sharing confusion”. Nature Journal, 12 February 2016: http://go.nature.com/2fvltNE

Nebehay, Stephanie; Hirschler, Ben. “Zika link to birth defects could be proven within weeks: WHO”. Reuters US, 16 February 2016: http://reut.rs/2esQssN

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