Qual é o futuro do futebol americano?

* Texto originalmente publicado no livro do autor Charles Wheelan.

Em 2009, Malcolm Gladwell formulou uma pergunta no artigo da New Yorker que primeiro pareceu desnecessariamente sensacionalista e provocativo: qual a diferença entre briga de cães e futebol americano?

A ligação entre as duas atividades provinha do fato de que o quarterback Michael Vick, que cumprira sentença de prisão por envolvimento em rinhas de brigas de cães, fora reintegrado na Liga Nacional de Futebol (NFL) exatamente quando estava começando a surgir informações de que traumas na cabeça relacionados com o futebol americano podiam estar associados a depressão, perda de memória, demência e outros problemas neurológicos no futuro. A premissa central de Gladwell era que tanto o futebol americano profissional quanto as brigas de cães são inerentemente devastadoras para os participantes. Ao terminar o artigo, eu estava convencido de que ele havia levantado um ponto intrigante.

Eis o que sabemos.

Há evidência acumulada de que concussões e outras contusões cerebrais associadas a jogar futebol americano podem causar danos neurológicos sérios e permanentes (fenômenos similares têm sido observados em boxeadores e jogadores de hóquei).

Muitos ex-jogadores proeminentes da NFL revelaram publicamente suas batalhas pós-encerramento da carreira contra a depressão, a perda de memória e a demência. Talvez o caso mais comovente tenha sido o de Dave Duerson, um ex-jogador profissional de futebol americano e vencedor do Super Bowl pelo Chicago Bears, que cometeu suicídio dando um tiro no peito; ele deixou instruções explícitas para sua família para que seu cérebro fosse estudado após a sua morte.

Numa pesquisa por telefone com 1.000 ex-jogadores da NFL selecionados aleatoriamente, e que tenham jogado pelo menos 3 anos na Liga, 6,1 % dos jogadores com mais de 50 anos relataram que haviam recebido diagnóstico de “demência, doença de Alzheimer  ou outras enfermidades relacionadas com a memória”. Isso é 5 vezes a média nacional para esse grupo etário. Para jogadores mais jovens, a proporção desse diagnóstico foi de 19 vezes a média nacional. Centenas de ex-jogadores da NFL processaram a Liga e os fabricantes de capacetes por alegadamente ocultar informações sobre os perigos dos traumas na cabeça.

Um dos pesquisadores dos impactos de traumas cerebrais é Ann Mckee, que dirige o laboratório de neuropatologia no Hospital de Veteranos em Bedford, Massachusetts (coincidentemente, McKee também realiza trabalho em neuropatologia para o Estudo Cardíaco de Framingham). A Drª McKee documentou a formação de proteínas anormais chamadas tau nos cérebros de atletas que sofreram traumas cerebrais, tais como boxeadores e jogadores de futebol americano. Isso leva a uma condição conhecida como encefalopatia traumática crônica, ou ETC, que é um distúrbio neurológico progressivo que tem muitas manifestações iguais ao Alzheimer.

Ao mesmo tempo, outros pesquisadores vêm documentando a conexão entre futebol americano e traumas cerebrais. Kevin Guskiewicz, que dirige o Programa de Pesquisa sobre Concussão nos Esportes na Universidade da Carolina do Norte, instalou sensores na parte interna dos capacetes de jogadores de futebol americano da Carolina do Norte para registrar a força e a natureza dos golpes na cabeça. Segundo seus dados, os jogadores recebem rotineiramente golpes na cabeça com uma força equivalente a bater no para-brisa de um carro num acidente a quase 40 km/hora.

Aqui está o que não sabemos.

Será a evidência de contusão cerebral revelada até aqui representativa dos riscos neurológicos de longo prazo que todos os jogadores profissionais de futebol americano enfrentam? Ou talvez seja apenas um “aglomerado” de resultados adversos que constitui uma aberração estatística? Mesmo se ficar constatado que jogadores de futebol americano enfrentam sim riscos significativamente mais elevados de distúrbio neurológico mais tarde na vida, ainda sim teríamos que sondar a causalidade. Poderia ser que o tipo de homens que jogam futebol americano (assim como boxeadores e jogadores de hóquei) seja propenso a esse tipo de problema? É possível que alguns outros fatores, entre eles, o uso de esteroides, estejam contribuindo para problemas neurológicos mais tarde na vida?

Se a evidência acumulada sugerir um vínculo causal claro entre jogar futebol americano e danos cerebrais de longo prazo, uma questão primordial terá de ser confrontada por jogadores (e os pais de jogadores mais jovens), técnicos, advogados, dirigentes da NFL e talvez mesmo as agências reguladoras governamentais:

“Existe algum modo de jogar futebol americano que reduza a maioria ou elimine todo o risco de trauma encefálico? Se não, então o quê?” Esse é o ponto por trás da comparação de Malcolm Gladwell entre futebol americano e briga de cães.

Ele explica que a briga de cães é abominada pelo público porque o dono dos cães submete propositadamente seu cão a uma competição que culmina em sofrimento e destruição. “E por quê?”, pergunta ele. “Para entretenimento de uma audiência e pela chance de ganhar algum dinheiro. No século XIX, a briga de cães era amplamente aceita pelo público americano. Mas esse tipo de negócio não é mais considerado moralmente aceitável em um esporte.”

Atualmente, quase todo tipo de análise estatística está sendo aplicada para descobrir se o futebol americano profissional como conhecemos tem ou não futuro.

“Essa é uma das perguntas que a estatística pode ajudar a responder”

***

P.S: Eu resolvi relatar esse texto para compartilhar com você, o quão amplo é o nosso campo de atuação. Imagine a quantidade e variedade de análises estatísticas que pesquisadores estão fazendo para ajudar a responder essa pergunta. Quanto de planejamento de experimentos, análise de regressão, técnicas de amostragem, inferência bayesiana tem nesses estudos? Já há comparações entre o rugby e o futebol americano para saber qual dos esportes é mais seguro.

A lição que eu quero deixar aqui é que não existe campo onde a estatística não possa atuar.

Um abraço, e até semana que vem!


Fontes

Wheelan, Charles. “Estatística: o que é, para que serve, como funciona”. Zahar, edição 1 (10 de março de 2016), 328:

Amplie seu conhecimento

Belson, Ken. “N. F. L. roundup; concussion suits joined”. The New York Times, February 1, 2012: http://nyti.ms/2gfjXlY

Gladwell, Malcolm. “How different are dogfighting and football”. The New Yorker, October 19, 2009: http://bit.ly/2hd88OR

Material usado

Imagem do jogo de futebol americano: http://bit.ly/2h0QcUM

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