Por Nazareno Júnior (profissional convidado) *
Os riscos assumidos pelas Operadoras de Planos de Saúde são bastante significativos, podendo ser subdivididos, de forma geral, em econômico-financeiros e assistenciais que, se não controlados adequadamente, podem levá-las a problemas de desequilíbrio.
Em relação aos riscos econômico-financeiros, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) passou a exigir as Garantias Financeiras das operadoras como forma de prudência regulatória. Uma das garantias financeiras é a Margem de Solvência, que, pode ser entendida como uma reserva suplementar às Provisões Técnicas objetivando suprir as oscilações das operações de uma operadora de plano de saúde em um contexto inesperado.
O seu cálculo é realizado de forma determinística por meio de uma fórmula matemática estabelecida pela própria ANS.
Entretanto, o cálculo da Margem de Solvência por modelo de capital baseado em risco já era previsto, desde 2007, com base na Instrução Normativa DIOPE-ANS nº 14/07. Contudo, essa discussão foi trazida à tona novamente com a publicação da Instrução Normativa DIOPE-ANS nº 51/15, que alterou a IN 14/07.
Nesse contexto, de forma a contribuir com metodologias de cálculo próprio, busca-se nesse artigo, apresentar uma sugestão introdutória de modelagem do capital relativo ao Risco de Subscrição.
Cálculo Baseado em Risco
Entende-se por Capital Baseado em Risco (CBR), o capital necessário para uma empresa gerir os seus próprios riscos com um determinado nível de tolerância aceitável, e em um dado horizonte de tempo necessário para assegurar a solvência em um cenário pessimista.
Por solvência entende-se que é a capacidade da Operadora de Plano de Saúde em honrar com seus compromissos financeiros futuros.
A figura 1 visa mostrar esses conceitos diante de uma distribuição de probabilidade das perdas ligada à solvência da Operadora.
Fonte: O Capital Baseado em Risco – Uma Abordagem para Operadoras de Planos de Saúde – Renata Gasparello de Almeida – Dissertação de Mestrado.
Risco de Subscrição
Considera-se risco de subscrição, o risco oriundo de uma situação econômica adversa que contraria tanto as expectativas da sociedade no momento da elaboração de sua política de subscrição quanto às incertezas existentes na estimação das provisões técnicas. Também envolve a probabilidade dos eventos a serem pagos pela Operadora de Planos de Saúde, em um período futuro, ser maior que o montante de contraprestações a serem recebidas.
Esse é um dos principais riscos, pois, conforme pesquisa realizada pela SOA (Society of Actuaries) com 117 seguradoras norte americanas resumida no Gráfico 1, a precificação e reservas inadequadas são as principais razões que levam as seguradoras à situação de insolvência.
Modelagem
A modelagem a seguir objetiva verificar a possibilidade dos eventos a serem pagos em um período futuro serem maiores que o montante de contraprestações a serem recebidas, ou seja, se a receita dos beneficiários conseguirá suprir o custo assistencial adicionado das despesas frente à volatilidade destes custos. Volatilidade esta oriunda da utilização dos serviços médico-hospitalares pelos beneficiários. Essa mensuração se dá através de uma simulação estocástica para prever, por meio de um percentil definido, a necessidade de capital de subscrição para suprir um pior cenário escolhido.
Conforme o item 4, do anexo da IN 14/07 e suas alterações, o modelo deverá conter aspectos mínimos referentes à volatilidade, incerteza e eventos extremos, conforme descritos no Quadro 1 abaixo.
O Quadro 2 abaixo apresenta as principais definições do modelo.
Em relação à simulação estocástica, deve-se lembrar que:
- Número de cenários deve ser suficientemente grande (lei dos grandes números). No caso optou-se por 10.000;
- A convergência da simulação deve ser verificada (comparação da média simulada com a média determinística); e
- A semente aleatória da simulação deve ser randomizada.
Em uma situação hipotética, considerou-se uma carteira de 10.895 beneficiários, onde possuem as seguintes características nos últimos doze meses anteriores à projeção, conforme Quadro 3.
Para a projeção dos próximos doze meses desta carteira, foram utilizadas as seguintes premissas, conforme Quadro 4.
Realizando a projeção para os próximos doze meses com base nas premissas relatadas no Quadro 4 acima, resultaram os seguintes números conforme Quadro 5.
Para uma melhor análise, como se trata de valor monetário no tempo e como forma de unificar um indicador para fins de tomada de decisão, se faz necessário o cálculo do Valor Presente dos Resultados Projetados (VPRP). No cálculo, os resultados foram descontados com base na Taxa Selic.
Desta forma, o VPRP foi positivo em R$ 498.017,76. Esse é o valor determinístico da projeção e será a referência de output para composição do capital na modelagem descrita a seguir.
A partir de então, devido à volatilidade, incerteza e valores extremos, pode-se prever cenários de stress através do comportamento das utilizações dos beneficiários, variando a V.A. (custo assistencial per capita) inflacionada pelo método de bootstrap ou reamostragem.
A distribuição do custo assistencial per capita utilizada como input segue abaixo, conforme Quadro 6.
Através do Quadro 6, percebe-se que, na base de dados estudada, houve beneficiários que não utilizaram o plano nos últimos doze meses, bem como outros que utilizaram chegando ao extremo de aproximadamente R$ 82 mil na média mensal.
Importante destacar algumas estatísticas descritivas dessa distribuição, quais sejam:
A partir das informações acima, percebe-se que a distribuição possui uma dispersão bastante significativa, necessária para esse tipo de análise.
Para a simulação do custo assistencial per capita por reamostragem, faz-se necessário a utilização do algoritmo abaixo a ser executado através da ferramenta Visual Basic For Applications (VBA).
Onde:
- Randomize = comando do VBA que randomiza a semente aleatória
- Meses = 12
- Cenários = 10.000
- Beneficiários = 10.895
- VLookup = função do VBA referente à Procura Vertical (PROCV)
- Rnd() = comando do VBA que gera número aleatório entre 0 e 1, distribuídos pela Uniforme Contínua
- LIP = Limite Inferior da Probabilidade
- LSP = Limite Superior da Probabilidade
- V.A. = Custo Assistencial Per Capita associado ao intervalo >LIP e =LSP
- CT = Custo Total (somas das V.A. flutuantes para cada mês e cenário)
- Receita e Despesa (valores fixos para cada mês e cenário)
Resultados
Para cada iteração da simulação são gerados novos custos assistenciais totais e consequentemente novos resultados e um novo VPRP descontado à Taxa Selic. Ao final, conforme figura 2, obtém-se uma matriz de 10.000 linhas referentes aos cenários e 12 colunas referentes ao mês. Na última coluna, estão os valores dos 10.000 VPRPs que são base para o cálculo do capital de subscrição.
Verifica-se que devido ao coeficiente de variação da distribuição de entrada, o comportamento dos VPRPs foi bastante volátil, necessário para esse tipo de análise. Outra forma de visualizar os 10.000 VPRPs é por meio do mesmo gráfico de dispersão, porém na formatação ordenada crescente, do mais negativo para o mais positivo conforme abaixo.
No gráfico supra, verifica-se que a amplitude dos VPRPs variou de -1.238.957,49 a 2.323.274,43. Houve convergência da simulação, pois a variação da média simulada de 495.854,23 e a média determinística de 498.017,76 resultou em -0,43%.
Essa simulação gerou 1.258 (13%) cenários insolventes, ou seja, VPRPs negativos e 8.742 (87%) cenários solventes, cuja distribuição de probabilidades encontra-se demonstrada no Gráfico 4 abaixo.
Por fim, como forma de cálculo da necessidade de capital escolhe-se, através da distribuição de probabilidade acumulada, o valor correspondente ao percentil 0,50%, que corresponde ao nível de confiança de 99,50%, resultando assim em -669.000,38, se considerarmos uma média ponderada desta mesma probabilidade de ruína até o fim da cauda do lado negativo, temos o valor de -821.080,28. Os valores negativos são os que interessam como resposta. Contudo, para efeito de constituição reverte-se o sinal (utiliza-se o módulo). Portanto, para essa simulação o CRB seria igual a R$ 669.000,38.
Conclusão
Essa modelagem configura-se como uma sugestão introdutória. Outras metodologias de cálculo deverão ser testadas e aprimoradas, sem esquecer a necessidade de evolução das mesmas. Neste tocante, podemos exemplificar uma simulação da Demonstração de Resultado do Exercício (DRE) que contém várias informações de natureza econômica da Operadora, podendo considerar como V.A. além do custo assistencial per capita, a variação prevista da Provisão de Eventos Ocorridos e Não Avisados (PEONA), bem como as premissas que serviram de base para a projeção das receitas, tais como: número de vendas, número de inclusões, reajuste dos planos coletivos, número de exclusões, dentre outras.
Muito obrigado pela leitura, e vamos em frente!
Nota explicativa: a Modelagem Estocástica considera um evento como algo não determinístico, mas probabilístico. Dessa forma, é possível combinar dados reais com aqueles simulados de maneira a gerar vários cenários equiprováveis. Existem várias razões para executar uma Simulação Estocástica. As mais importantes são captura da heterogeneidade, e qualificação da incerteza. O tema é abordado em cursos de graduação em Estatística, e é muito importante conhecermos como profissionais de outras áreas fazem uso desse método.
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* José Nazareno Maciel Júnior:
Atuário, membro do Instituto Brasileiro de Atuária (IBA), com MIBA nº 1.286. Mestre em Economia, possui pós-graduação em Administração Financeira e MBA em Finanças e Controle. Atua no segmento de Saúde Suplementar há 12 anos. Passando por consultoria e atualmente como atuário sênior e coordenador de informações estratégicas e atuariais da Unimed Fortaleza. É membro do Comitê Nacional dos Atuários do Sistema Unimed e membro da Comissão Permanente de Solvência da ANS pelo IBA – Operadoras Grande Porte. É também perito atuarial e palestrante.
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Observação: Este texto é de autoria de Nazareno Júnior, e sua publicação no Blog “O Estatístico” foi autorizada pelo autor.
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