Viabilidade Estocástica no Desenho de Produtos na Saúde

Por Nazareno Júnior (profissional convidado) * 

O processo de desenho de novos produtos nas Operadoras de Planos de Saúde exige a necessidade da participação de diversas áreas para discutir todos os aspectos envolvidos. Um desses aspectos é o preço tecnicamente calculado, que muitas vezes é superior ao preço de mercado, obtido através de pesquisa no público alvo ou pela concorrência. Esse embate entre o enfoque técnico e mercadológico ocorre sempre quando se trata em empresas fortemente comerciais balizadas em metas de vendas arrojadas.

Contudo, quando se trata de mercados de riscos elevados, como é o caso da Saúde Suplementar, deve haver, mais do que nunca, um consenso entre esses dois enfoques, caso contrário, deve-se retomar a discussão sobre alterações das características do produto ou das premissas utilizadas ou até mesmo redefinir estratégias. Com o objetivo de mostrar outras análises complementares além do cálculo do preço, sugere-se elaborar uma Análise de Viabilidade objetivando aferir alguns elementos para fins de equilíbrio econômico-financeiro, como por exemplo, o Valor Presente Líquido (VPL).

Essa Análise de Viabilidade poderá ainda ser melhorada quando inserida em uma modelagem estocástica. Desta forma, através de uma Simulação de Monte Carlo, monta-se a distribuição de probabilidades de vários VPLs simulados para enxergar informações preciosas, que somente são identificadas estressando o modelo, como por exemplo, a chance de se ter VPLs negativos e consequente possibilidade do novo produto contribuir à Operadora ao estado de insolvência.

Introdução

O processo de desenho de novos produtos na saúde suplementar envolve a participação de várias áreas, a fim de discutir todos os aspectos envolvidos, sendo os principais de natureza legal, técnica, administrativa, econômica e mercadológica.

Geralmente este processo se inicia com uma pesquisa de mercado para entender as necessidades do potencial público alvo. Necessidades estas que vão desde a rede de prestadores, passando por fatores moderadores, acomodação hospitalar, abrangência geográfica, tipo de contratação, benefícios adicionais e chegando então ao nível de preço a ser pago.

Especificamente no quesito preço, nem sempre o cálculo estimado é igual ou inferior ao que o mercado pagaria mediante a pesquisa inicial. Neste caso, deve-se revisar algumas premissas do novo produto, objetivando recalcular e verificar os novos resultados.

Diante disso, como prudência técnica, além da precificação, faz-se necessário realizar uma análise de viabilidade econômico-financeira, com o intuito de verificar se o investimento desse novo produto se paga através do cálculo do Valor Presente Líquido (VPL)1, descontado pelo custo de oportunidade. Então uma vez calculado o VPL, será mais uma informação balizadora para a tomada de decisão.

Além disso, deve-se procurar ainda ir além de modelos determinísticos. Desta forma, utilizar modelos estocásticos para visualizar a distribuição de probabilidades desses VPLs é de fundamental importância para estimar a probabilidade de se ter valores negativos, possibilitando assim formar um panorama mais abrangente para a decisão.

Metodologia

O método consiste inicialmente em projetar, para os próximos 36(2) meses, o número de beneficiários, as receitas, os custos assistenciais e as despesas do novo produto com o objetivo de se obter os resultados estimados e, na sequência, o VPL. Através do Quadro 1 abaixo, pode-se visualizar o escrito acima.

Quadro 1 – Projeção dos Resultados para os próximos 36 meses

Observações: • Receitas = Nº de Beneficiários x Ticket Médio Reajustado • Custos Assistenciais = Nº de Beneficiários x Custo Assistencial Per Capita (V.A.) Inflacionado • Despesas = Receitas x % de Rateio • Resultado = Receitas – Custos Assistenciais – Despesas

O cálculo do VPL, por sua vez, se dá pela seguinte formulação.

Após realizada a projeção e o cálculo do VPL, faz-se necessário processar o modelo estocástico. Para isso, realiza-se uma Simulação de Monte Carlo3 randomizando o custo assistencial per capita, que é a principal Variável Aleatória (V.A.) do modelo, face ao comportamento probabilístico das utilizações dos beneficiários em relação aos procedimentos médico-hospitalares (consultas, exames, internações, etc.). Existem técnicas para se fazer essa randomização, dentre elas destacam-se: bootstrap, convolução, dentre outras. A escolha da técnica vai depender da aderência aos dados da Operadora. No caso, optou-se por usar o Bootstrap4, incluindo os aspectos mínimos, tais como: volatilidade (inclusão de flutuação da V.A. observada na base de dados), incerteza (inclusão da inflação saúde, muitas vezes impactada por fatores exógenos incontroláveis) e valores extremos (inclusão dos outliers observados na base de dados).  Através do Quadro 2 abaixo, pode-se visualizar o escrito acima.

Quadro 2 – Projeção dos Resultados para os próximos 36 meses com a Randomização dos Custos Assistenciais

Desta forma, ao invés de apenas um único valor de VPL, têm-se vários valores e assim pode-se montar a distribuição de probabilidades, extraindo informações importantes para uma decisão mais acurada, pois uma vez o produto lançado de forma inconsistente, poderá gerar sucessivos resultados negativos que poderão contribuir à Operadora ao estado de insolvência.

Resultados

O novo produto possui a configuração abaixo:

  • Contratação: individual;
  • Abrangência geográfica: grupo de municípios;
  • Segmentação assistencial: ambulatorial + hospitalar com obstetrícia; e
  • Acomodação hospitalar: enfermaria.

Para se realizar a precificação desse novo produto, é necessário estabelecer premissas. Essas informações compõem um conjunto de experiências muitas vezes encontradas nas bases de dados das Operadoras. Contudo, dependendo do caso, faz-se necessário o uso da Teoria da Credibilidade como forma de ponderar conhecimentos internos e externos.

Assim, no Quadro 3 abaixo destacam-se, de forma resumida, as premissas mais utilizadas.

Quadro 3 – Premissas de Precificação de um Novo Produto

Observações: • Dados hipotéticos • Como forma de simplificação do exemplo, utilizou-se: * o prêmio per capita (ponderado) * os principais clusters de custos da ANS (consultas, exames e internações)

No Quadro 3 supra, verifica-se que o preço médio calculado tecnicamente possui valor de R$ 373,72 e o preço de mercado, através da pesquisa, possui valor médio de R$ 312,89, ou seja aproximadamente 17% inferior.

Percebe-se, ainda, que existem premissas epidemiológicas diferentes entre os cálculos.  Assim, o preço poderá ser revisto mediante a estratégia de redução de custos da Operadora e o comprometimento de todos os envolvidos no projeto. Contudo, recomenda-se que o contrário não seja praticado, ou seja, alterar as premissas para alcançar o preço de mercado.

Para o cálculo do VPL do novo produto, com uma expectativa de 1.000 beneficiários, utilizando o Certificado de Depósito Interbancário (CDI) como custo de oportunidade (taxa de desconto equivalente mensal) e o investimento de R$ 100 mil, com o preço calculado tecnicamente no valor de R$ 373,72 resultaria, numa projeção para os próximos 36 meses, em +R$ 2,26 milhões.

Quadro 4 – Projeção dos Resultados considerando o preço de R$ 373,72

Valores em mil

A distribuição de probabilidades por simulação com 10 mil VPLs, resultou no gráfico, representando pela Figura 1 abaixo. Houve convergência entre a média dos VPLs estocásticos e o VPL determinístico de -0,03%, variando numa amplitude de R$ 1,37 milhões a R$ 3,03 milhões.

Figura 1 – Distribuição de Probabilidades dos 10.000 VPLs considerando o preço de R$ 373,72

Observa-se ainda na Figura 1, que a distribuição mostra que existe 49,39% de chance de resultar VPL inferior ao determinístico sem valores negativos e 50,61% de chance de superior ao determinístico, ou seja, um espaço amostral confortável.

Já para o preço do novo produto considerando o valor de mercado, com a mesma expectativa de 1.000 beneficiários, utilizando o mesmo CDI como custo de oportunidade (taxa de desconto equivalente mensal) e o investimento de R$ 100 mil, resultaria em um VPL, numa projeção para os próximos 36 meses, em +R$ 96,89 mil, muito inferior aos +R$ 2,26 milhões, porém ainda positivo.

De qualquer forma, dirigentes de Operadoras poderiam decidir por lançar esse produto alegando que o retorno é bem próximo do investimento ou então pelo simples fato do VPL ser positivo.

Quadro 5 – Projeção dos Resultados considerando o preço de R$ 312,89

Valores em mil

A distribuição de probabilidades por simulação com 10 mil VPLs para o preço do mercado, resultaria no gráfico, conforme Figura 2 abaixo, com convergência entre a média dos VPLs estocástico e o VPL determinístico de -0,72%, variando numa amplitude de -R$ 868,26 mil a +R$ 859,81 mil.

Figura 2 – Distribuição de Probabilidades dos 10.000  VPLs considerando o preço de R$ 312,89

Observa-se ainda na Figura 2, que a distribuição mostra que existe 48,96% de chance de resultar VPL inferior ao determinístico e 51,54% de chance de superior ao determinístico. Contudo, observa-se o fato de 31,29% de chance de resultar VPL negativo, iniciando com –R$ 771,00 até –R$ 868.263, ou seja, um espaço amostral possivelmente desconfortável que servirá de referência para que o novo produto não seja lançado com o nível preço de mercado, essa seria a decisão mais prudente de uma gestão profissionalizada e atuante no gerenciamento de riscos.

Conclusão

Uma das limitações dos modelos determinísticos, quando se trata de mercado de alto risco e que envolve várias variáveis aleatórias impactadas por fatores exógenos muitas vezes incontroláveis, é mascarar informações preciosas, que somente são identificadas estressando o modelo.

Além disso, outro fato existente é o embate mercadológico e técnico. Casos em que não haja um consenso entre esses dois enfoques, deve-se retomar a discussão com o grupo sobre alterações das características do produto ou das premissas utilizadas ou redefinir estratégias, como já abordado anteriormente.

É prudente conscientizar a todos que pequenas alterações nas premissas de precificação podem gerar grandes prejuízos nas Operadoras, além da importância de inserir em sua rotina o acompanhamento das premissas planejadas.

Vários cuidados devem ser observados na modelagem, um deles é que dados históricos não capturam riscos emergentes. Assim, como o mercado de saúde suplementar é muito dinâmico (novas epidemias, novas tecnologias, atualização do rol de procedimentos, etc.) faz-se necessário ter consciência de que dificilmente o modelo matemático terá como input todas as variáveis intrínsecas ao problema, daí a existência da margem de erro a ser considerada.

Ademais, essa modelagem estocástica pode ser evoluída em sua complexidade. De forma que, além de considerar como V.A. o custo assistencial per capita, podem ser elencadas ainda as premissas que serviram de base para a projeção das receitas, tais como: número de vendas, número de inclusões, número de exclusões, dentre outras.

Por fim, modelos estocásticos podem ser utilizados para qualquer ramo de atividade, pois cada um apresenta seu nível de risco que podem ser melhor identificados, dependendo da análise, pelas distribuições de probabilidade de suas variáveis aleatórias.

Muito obrigado pela leitura, e vamos em frente!

Notas:

  1. Outros indicadores podem ser utilizados, tais como: Taxa Interna de Retorno (TIR), Payback, etc. Contudo, como forma de delimitação, será utilizado apenas o VPL.
  2. Depende da análise, os 36 meses são apenas uma referência.
  3. Recomenda-se na Simulação de Monte Carlo: a) utilizar o número de iterações suficientemente robusto para garantir a Lei dos Grandes Números como forma de estabelecer convergência entre a média dos VPLs estocásticos e o VPL determinístico e; b) semente aleatória randomizada.
  4. A rotina computacional foi elaborada no Microsoft Excel através do Visual Basic for Applications (VBA), com base na média mensal dos custos assistenciais per capita de mais de 70 mil beneficiários e suas respectivas probabilidades de ocorrência.

* José Nazareno Maciel Júnior:

Atuário, membro do Instituto Brasileiro de Atuária (IBA), com MIBA nº 1.286. Mestre em Economia, possui pós-graduação em Administração Financeira e MBA em Finanças e Controle. Atua no segmento de Saúde Suplementar há 12 anos. Passando por consultoria e atualmente como atuário sênior e coordenador de informações estratégicas e atuariais da Unimed Fortaleza. É membro do Comitê Nacional dos Atuários do Sistema Unimed e membro da Comissão Permanente de Solvência da ANS pelo IBA – Operadoras Grande Porte. É também perito atuarial e palestrante.

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Observação: Este texto é de autoria de Nazareno Júnior, e sua publicação no Blog “O Estatístico” foi autorizada pelo autor.


Material usado

Todas as imagens são do artigo no Linkedin publicados pelo próprio autor

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